Saíram dois ótimos textos sobre como o governo tem enxergado a questão
da tecnologia nas salas de aulas das escolas públicas brasileiras. Há
vários programas para aproximar a tecnologia de professores e alunos,
mas nenhum programa sério para estabelecer uma relação de
ensino/qualidade. Não há projetos sérios para melhorar a carreira de
professor, tanto financeiramente como profissionalmente. Todos sabemos a
importância primordial que professoras e professores tem nesse país,
mas a realidade em que vivem atualmente, numa profissão extremamente
desvalorizada, não reflete essa importância. Sem reconhecimento
profissional, dificilmente se terá professores motivados. Portanto,
apenas distribuir computadores e tablets não resolve nada.
Vale lembrar que muitas pessoas que estão nas salas de aulas lecionando
não queriam estar ali. Os cursos de pedagogia tem inúmeros alunos que
buscam apenas um diploma universitário, afinal existem inúmeros cursos
de pedagogia e pouquíssimas escolas de aplicação. Os estágios são pouco
supervisionados e muitos nem cumprem toda carga horária dos estágios em
sala de aula. Há também os professores que estão e querem continuar
lecionando na sala de aula, mas que além dos baixos salários enfrentam a
violência e a falta de apoio do governo.
Programas como o ProUni promovem
a formação de professores para as escolas públicas, mas não permitem
que escolham outro curso que não seja pedagogia ou licenciaturas. Por
outro lado, há várias pessoas que gostariam de estar lecionando nas
salas de aulas, mas que no sistema atual não sentem que teriam êxito,
porque não encontram liberdade e apoio para aplicar novas dinâmicas e
não teriam reconhecimento profissional perante a sociedade. De nada
adianta formar uma legião de professores se eles não querem realmente
estar em sala de aula, se estão ali por falta de opções, porque não
conseguiram passar em outros cursos e ter outras profissões.
Em As mentiras convencionais de nossa educação,
Lincoll Secco enumera diversas mentiras dadas como soluções para a
educação brasileira. Cita, inclusive, o arremedo de solução que o
governo criou quando foi cobrado a abrir mais vagas nas creches e na
educação infantil:
4.
Não é verdade que a redução da idade de ingresso na escola atendeu
critérios pedagógicos. Como as creches se tornaram um direito
reivindicado pelas mães e custa mais barato abrir um turno na escola
fundamental, os governos reduziram a demanda por creches fazendo as
crianças saírem mais cedo delas.
5.
Não é verdade que aumento salarial substancial não melhora a educação. O
problema é que um professor carece de salário e status. A relação
pedagógica é baseada principalmente na autoridade conferida ao docente
pela avaliação, idade, conhecimento e respeito social. Como vivemos numa
sociedade capitalista, é claro que a maior parte desses atributos
depende da renda. Ou seja: do salário!
A demanda por berçários e creches no Brasil é tão alta que nem as
instituições privadas dão conta, especialmente vagas no período
integral. Há mães e pais que entram na fila da vaga antes
do parto da criança. Uma das melhores soluções seria flexibilizar o
horário de trabalho de mães e pais para que eles possam ficar mais
próximos dos filhos nesses primeiros anos, mas sabemos que o capitalismo
não está preocupado com isso. Se não há creches com quem mães e pais
vão deixar as crianças? As empregadas domésticas cada vez buscam novas
oportunidades no mercado de trabalho e babás especializadas fazem bem ao
cobrar alto por seu trabalho. Atualmente, as famílias são pequenas e
muitas vezes não há uma avó, madrinha ou outro parente para ficar com as
crianças enquanto mães e pais trabalham. As pessoas terão que resolver
essa questão, mas é preciso compreender que o bem estar das crianças é
responsabilidade de toda a sociedade.
Em Ipad pra todo mundo,
Ana Elisa Ribeiro fala justamente da simplicidade dos programas que
apenas distribuem o instrumento tecnológico, mas não capacitam ninguém:
Tenho
colegas que andam saltitantes de alegres com essa história de estados
ou o governo dar iPads para os professores. Também dei lá meus pulinhos,
mas não eram bem de alegria. É que fico perplexa com a superficialidade
das soluções. Fico mesmo embasbacada e chego a perder parcelas de sono
por conta disso. Será que é muito difícil de entender? Se alguém não tem
condições dignas de trabalho (e de vida mesmo), não adianta dar um
iPad, um refresco ou um jogo de resta um pro cara. O negócio é saber o
que fazer com as máquinas. Mas deve ser bem difícil de compreender a
profundidade desta condição.
Afinal,
o que eu estou dizendo? Que os professores precisam mais de
criatividade e do propiciamento de suas inteligências do que de máquinas
novas. Sai até mais barato, quem sabe? Se bem que é claro que alguém
fez essa conta antes de comprar os iPads. Provavelmente foi assim: se eu
der esses brinquedinhos pra esse pessoal vai sair mais em conta do que
qualificar todos eles e permitir que eles tenham ampliado seu letramento
digital. A conta fecha.
É moleza fazer propaganda e dizer que está equipando as escolas com
equipamentos da moda de última geração, mas o que isso realmente muda na
vida de professores e alunos que convivem em salas super lotadas e com
grandes barreiras comunicacionais? Fora a falta de autoridade, afinal o
status dos professores socialmente é minúsculo.
Os jovens conhecem a tecnologia e mesmo para os mais pobres as lan houses foram
uma importante porta de entrada, mas não há educação para cidadania por
si só. É preciso aprender por meio das relações interpessoais, a
criatividade pode ser estimulada de diferentes maneiras fora do meio
digital e ela é fundamental para o aprendizado, pois é o contato com o
concreto que facilita o caminho para o abstrato.
Li ontem que uma lei declarou Paulo Freire patrono da educação brasileira.
Mais do que nunca é preciso retomar tudo o que Freire ensinou, que a
tecnologia é importante, mas o fundamental é promover a educação por
meio do cotidiano do aluno, deixando claro o quanto a política e os
sistemas sociais influenciam na educação. Afinal, sempre há quem ganhe
com a desvalorização da educação pública brasileira.
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